Vida de Carlos Gomes

“A sorte ordenou a mim que fique até a morte. Foi meu berço a floresta verde ao sol. Sou qual o rio que vai até o fim do seu destino" (O Guarani - Cena IV do III Ato)

A vida de Carlos Gomes se confunde com a história do Brasil. A Monarquia foi o palco perfeito para sua ópera, que, no dizer de José Murilo de Carvalho(1), compunha a própria natureza do Império. Uma vida como espetáculo, marcada pelas transformações de um país que apenas ensaiava sua nacionalidade. Um país de escravos e senhores, um lugar em construção, presente no sonho romântico de O Guarani - em que índios e brancos se unem numa narrativa de amor - ou no abolicionismo retratado em O Escravo, idealizando um país livre da opressão. Seu mecenas era o Imperador Pedro II, a quem o compositor devia reconhecimento e serviços artísticos. Satisfazer um monarca, um país, editores, públicos e a si mesmo, tornou-se, para ele, uma tarefa muito penosa. Carlos Gomes viveu dividido entre duas nacionalidades. Ao adotar a Itália como sua segunda pátria, o maestro passou a ser hostilizado no Brasil, sendo duramente criticado por aqueles que o viam como um esbanjador do dinheiro público.

A pensão que recebia do governo imperial não lhe bastava, de maneira que ele se submetia às pressões dos editores italianos. Sua arte era vista, pelos editores, como uma mercadoria, produzida com fins comerciais, fato que talvez explique as inúmeras óperas inacabadas, perdidas entre seus papéis. Carlos Gomes era como um animal perdido em terras estranhas, pelo menos era visto assim por muitos de seus contemporâneos. Antônio Ghislanzoni o retratava como um selvagem, caminhando solitário pelas frias ruas italianas, cabelos revoltos e pesados casacos de pele, cabisbaixo e muito sisudo, mas, ao mesmo tempo, surpreendente na docilidade e veracidade de seu caráter. Mesmo consagrado na Europa, nunca deixou de compor modinhas românticas que rememoravam a quietude dos salões das antigas fazendas de café, o coreto de Campinas, ou São Paulo das repúblicas estudantis e ruas enluaradas, lugar que o jovem Gomes tanto percorrera em companhia de estudantes da antiga Faculdade de Direito.

Biografia Antonio Carlos Gomes

Antonio Carlos Gomes 1836 Em 11 de julho nasce, em Campinas, Carlos Gomes, filho de Manoel José Gomes e Fabiana Maria Jaguary Cardoso.

Apelidado de Tonico, inicia os estudos musicais aos dez anos, sob a supervisão de seu pai. Durante a adolescência apresentava-se com seus irmãos na banda do pai em bailes e concertos. Neste período, já compõe músicas religiosas e modinhas. 1854 Compõe sua primeira missa - Missa de São Sebastião. 1857 Compõe a modinha Suspiro d'Alma com versos de Almeida Garret. Fundação da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. No discurso de inauguração, José Amati enfatiza os objetivos da Academia: "A música não é absolutamente a mesma em todas as nações; sujeita às grandes regras da arte ,ela se modifica no estilo e no gosto em cada nação, segundo as inspirações da natureza do país, os costumes, a índole e as tendências do povo." 1859 Compõe a fantasia Alta Noite para clarinete. Apresenta-se, pela primeira vez, tocando piano, num concerto em Campinas, acompanhado de Henrique Luiz Levy. Faz uma tournée com o irmão violinista Pedro Sant'Anna Gomes, através das principais províncias de São Paulo, hospedando-se em repúblicas estudantis. Compõe o Hino Acadêmico, a modinha Tão longe de mim distante e a Missa de Nossa Senhora da Conceição. 1860 Muda-se para o Rio de Janeiro, contra a vontade de seu pai, e inicia seus estudos musicais no Conservatório de Música. 1861 Apresenta sua primeira ópera com o libreto de Fernando Reis A Noite do Castelo no Teatro Lírico Provisório. Escreve uma carta para seu pai a fim de convidá-lo para a estréia. 1862 Compõe Joana de Flandres. 1863 Com o apoio do Imperador Pedro II, viaja para a Itália, berço da ópera e do belcanto, terra de Rossini, Verdi , Donizetti, Ponchielli. 1864 Chega à Milão. Devido à idade avançada, sua inscrição é recusada no Conservatório de Milão. Passa a ter aulas particulares de composição com o maestro Lauro Rossi. 1866 É aprovado no exame final de composição no Conservatório de Milão e recebe o título de Maestro. Compõe música para a revista Se sa minga, com texto de Antônio Scalvini 1867 Execução, no Teatro Fossati do Coro das Máscaras, da canção Fuzil em Agulha 1868 Enquanto Inicia seus trabalhos para a ópera O Guarani, compõe várias peças de música de câmara, com textos de Scalvini. Escreve as músicas Nella Luna, La Moda. 1869 É recebido nos salões da Condessa Maffei, o que lhe abrirá as portas para sua apresentação no Scalla. Teatro Scalla de Milão Teatro Scalla de Milão 1871 Escreve a opereta Telégrafo Elétrico e começa a trabalhar na ópera Os Mosqueteiros do Rei, que fica inacabada. Abertura da Exposição Industrial de Milão com O Guarani.Carlos Gomes é convidado para preparar a apresentação de O Guarani no Teatro Apollo em Roma. Em 16 de dezembro casa-se com a pianista Adelina Peri.

1872 Contando com a ajuda de seu amigo André Rebouças, apresenta-se no circuito dos grandes teatros com O Guarani: La Pergola (Florença); Carlo Felice (Gênova) Covent Garden (Londres); Teatro Municipal de Ferrara; Teatro Municipal de Bolonha; Teatro Eretenio (Vicenza); Teatro Social de Treviso. Termina de compor Fosca, e encarrega Antônio Ghislanzoni de escrever-lhe o libreto Marinella, mas abandona o projeto. Verdi assiste à récita de O Guarani. 1873 Nascimento do filho Carlos André e morte dos filhos Carlotta Maria e Manoel José. Estréia de Fosca no Scalla. A ópera foi duramente criticada na imprensa italiana, que a julgava impregnada do leitmotif wagneriano. Começa a compor Salvador Rosa, vendendo os direitos ao editor Giullio Ricordi. 1874 Primeira apresentação de Salvador Rosa no Carlo Felice de Gênova. Começa a trabalhar em Maria Tudor, com libreto de Arrigo Boito e Emílio Praga. Estréia de Salvador Rosa . Nasce o filho Mário. 1876 A pedido do Imperador Pedro II, compõe Saudação do Brasil, para ser apresentada nas comemorações do Primeiro Centenário da Independência dos Estados Unidos. Inicia uma nova ópera com libreto de Ghislanzoni, A Máscara, mas logo abandona o projeto. Apresenta Fosca no Teatro Colón de Buenos Aires, seguindo depois para apresentações no Rio de Janeiro. É nomeado Acadêmico do Instituto Musical de Florença. 1878 Inicia a construção da Villa Brasília, em Lecco. Escreve, para o Álbum musical do Trovador, a romança Corrida de Amor. 1879 A ópera Maria Tudor , encenada pela primeira vez no Scalla, é um fracasso. Começa a escrever a música para a ópera cômica em três atos, Ninon de Lenclos, que logo abandona, devido a uma forte depressão que o acomete após a morte de seu filho Mário. Muda-se para Gênova.

Conhece Hariclé Darclée, tornando-se amantes. "Mário, subindo ao céu, aos cinco anos, me deixou na terra infeliz para toda a vida." A ópera O Guarani começa a rodar o mundo: Livorno, Milão, Turim, Moscou e Pittsburgh. Em dezembro, começa uma nova ópera, Palma, mais um projeto inacabado. 1880 Retorna ao Brasil na Excursão Lírica de Tomás Passini, visitando Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém. A companhia encena Salvador Rosa, O Guarani e Fosca. Compõe na Bahia o Hino do Centenário de Camões. 1882 Publica Álbuns de Música de Câmara. Trabalha em dois libretos: Emma de Catania e Leona. Nenhum será terminado. Volta ao Brasil para participar da Estação Lírica do Pará. Nasce a filha Itala. Carlos André e Itala Carlos André e Itala 1883 Organiza, em Milão, uma Companhia Lírica, e realiza nova temporada no Brasil. 1884 O Imperador lhe pede uma marcha para comemorar a libertação dos escravos no Ceará: Ao Ceará Livre. De volta a Lecco, compõe a modinha Conselhos. Trabalha em dois libretos de Ghislanzoni, Os ciganos e Oldrada, também projetos inacabados. 1885 Separa-se de Adelina Peri. Passa por graves dificuldades financeiras. A manutenção de Villa Brasília se torna onerosa. 1886 Sofre de grave crise nervosa, somente aliviada com ópio. Promessas para encenar Fosca, mas nenhum teatro concretiza o convite.

1887 Para pagar dívidas, vende a Villa Brasília com todos os móveis e objetos. Muda-se para um pequeno apartamento em Milão. Escreve Madrigal para a revista Cena Ilustrada. Morre Adelina e sua filha Itala vem morar com ele. Começa a trabalhar na ópera Morena, que também fica inacabada.

1888 Termina de compor O Escravo com argumento de Visconde de Taunay e libreto de Paravicini. 1889 De volta ao Brasil, apresenta O Escravo no Teatro Lírico, em homenagem à Princesa Isabel e à Lei Áurea. D Pedro II promete-lhe a direção do Conservatório do Rio de Janeiro; no entanto, a República é proclamada, não se realizando a promessa. 1890 Volta à Milão e vai morar no apartamento de propriedade da Condessa Cavalini, sua amante. Inicia a composição da ópera Cântico dos cânticos, não concluída. 1891 A ópera O Condor é encenada no Scalla. Faz parte, juntamente com Arrigo Boito, Bazzini e Catalani, da comissão julgadora para escolher o diretor de orquestra do Scalla. Morre D.Pedro II em Paris. 1892 Compõe o oratório Colombo em homenagem ao IV Centenário do Descobrimento da América. Solicita ao governo ajuda financeira para representar o Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago. Viaja para Chicago, mas apresenta somente trechos de suas óperas, uma vez que as subvenções do governo não cobrem o custo das apresentações. Retorna à Milão com o filho Carlos doente. A apresentação de O Guarani em Chicago foi por água abaixo, pois o governo brasileiro não deu a subvenção esperada. No dia 7 houve apenas um concerto para convidados do mundo oficial daqui. Portanto, entrada grátis. Esperava fazer aqui um mundo de negócios, mas depois percebi a triste realidade! Neste país a arte é um mito. Os americanos não se interessam por nada que não seja uma novidade da vida prática, ou seja, o meio mais fácil de ganhar dólares! Carta de Gomes, escrita nos Estados Unidos, à Tornaghi. 1893 Representa Condor no Teatro Carlo Felice em Gênova. 1894 Concorre à cadeira de diretor do Liceu Musical Rossini, perdendo para Carlo Pedrotti. Trabalha em duas óperas, Kaila e Cântico dos cânticos. Assiste em Turim à estréia da ópera Manon Lescaut, de Puccini 1895 Encena O Guarani em Lisboa e recebe, das mãos do Rei de Portugal, a Comenda de San Tiago. Recebe convites para dirigir a Escola de Música de Veneza e o Conservatório do Pará, porém, doente e disposto a livrar seu filho Carlos do serviço militar italiano, prefere partir para o Brasil. 1896 Já muito doente, chega ao Pará em abril. Morre em 16 de setembro.